Combate tático é chato?


Batalhas em jogos de RPG mais interessantes e desafiadoras

por Filipe Lutalo

Um dos grandes momentos dos jogos e grupos de RPG é a hora de colocar as miniaturas no mapa de combate. O tabuleiro dá uma visão em três dimensões para os jogadores de todas as ações durante a batalha. Ele pode se deslocar para em um simples jogo de miniaturas e ficar monótono, ou se tornar um desafio tático e desafiador.

Vários sistemas de RPG dedicam um capítulo para o combate com o uso de miniaturas ou “token”, também conhecido como combate tático. São
descritas as manobras de ataque, movimentações, bônus ou penalidades devido às posições estratégicas e uma série de regras que transformam o teatro da mente em um jogo de tabuleiro bem complexo. Tombar a miniatura dos inimigos e por fim, a daquele dragão, também conhecido como “boss”, arranca gritos de delírio e satisfação dos jogadores.

Isso pode se útil: Miniaturas de Papel

A grande questão é que combates táticos podem se tornar muito chatos quando ele se resume a, unicamente, rolar os dados, movimentar as miniaturas algumas casas no mapa de combate e acompanhar os pontos de vida dos personagens e dos monstros. São horas e horas dizendo “ataquei”, “defendi”, “seu personagem matou o orc” etc. Entretanto, esse marasmo pode ser quebrado com algumas dicas.

Crédito RPGames Brasil: Mapa de combate tático. Três heróis contra onze inimigos. Esse combate vai demorar... 

Menos é mais

Quanto menos você utilizar o combate tático, mais impacto ele terá para os jogadores. Uma simples briga na taverna é caótica ou simplória demais para exigir um mapa de combate. Imagine 20 bêbados brigando e quebrando cadeiras, arremessando canecas e garrafas. Esse combate trará alguma relevância para a trama? Se a resposta for não, o teatro da mente é a melhor saída.

Mesmo que você utilize um mapa riscável, perderá tempo riscando as paredes, mesas, e posicionando as miniaturas de todos aqueles bêbados sem mãe que estão ali, apenas para atrasar o jogo e roubar horas de roleplaying. Não coloque seus jogadores em combates táticos todas as vezes que surgir uma batalha.

Crédito: Reprodução. O teatro da mente é a melhor opção quando se tem muitos combatentes.

Menos é mais duas vezes

O excesso de combate também é prejudicial. Em um grupo, há uma variedade de personagens que esperam seu momento de brilhar. Um ladrão deseja entrar em cena para mostrar o quão é proficiente para arrombar um cofre. Um mercador pretende fazer negócios. Às vezes, as perícias que os jogadores desejam explorar em seus personagens não estará ligada a combate.

Aventura que se resumem a cenas de combate ligadas por novas cenas de combate, somente os guerreiros que investiram tudo em perícias de armas usarão plenamente os seus personagens. Todos os demais ficarão frustrados. 

Crie nas aventuras e nos combate situações que os personagens precisam utilizar perícias não ligada a armas para todos se sentirem úteis.

Reprodução: Capa do Shadowrun 5ª Edição. Enquanto parte do grupo tenta manter a posição, o tecnauta investiga a matriz, talvez para destravar uma porta para a fuga deles.

Encurte as batalhas

Todas as batalhas que Jack Sparrow e Elizabeth de Piratas do Caribe acabam depois do último inimigo estar morto? A resposta é não. Isso não acontece nas boas histórias e não deveria acontecer nas boas aventuras de RPG.

Encurtar o combate é uma ótima forma de conseguir dinamismos no jogo. O RPG O Senhor dos Anéis, incentivam os mestres a não se preocuparem com os pontos de vidas reais dos PdMs (personagens do mestre) em combates simplórios. Aquele bêbado da taverna, ou pirata que invadiu o navio, ou o goblin que entrou no caminho do anão estará fora de combate com um ou dois golpes. Isso torna o combate mais rápido e menos enfadonho e deixa o melhor para o final.

Isso pode ser útil: Os bons guerreiros.

Use as regras de cheques de moral nos PdMs. O Dungeons & Dragons sugere que as criaturas façam uma jogada de Moral para verificar se elas recuarão quando um aliado delas tomba em combate ou quando elas sofrem uma quantidade de dano considerável. No GURPS há o Teste de Reação que pode ser usado como o mesmo objetivo. Os PdM que falham no teste de moral podem fugir ou se entregar, o que encerraria o combate em poucas rodadas e abriria espaço para a interpretação.

Créditos Gintas Galvanauskas (ArtStation). Quando a coisa aperta para os PdMs, o melhor é se entregar ou fugir.

Use as regras, sem dó e nem piedade

O terreno é um fator que limita a ação dos personagens? Alguém está escondido atrás de uma árvore ou de uma pedra que o torna um alvo mais difícil? O arqueiro se posicionou em um terreno alto e isso lhe dá mais bônus?

Sun Tsu falava que um general precisa conhecer o clima, o terreno, suas tropas etc, para ser vitorioso. Os capítulos de combate tático trazem uma quantidade de regras para simular essas coisas. Personagens que atacam em desnível terão mais dificuldade para acertar o pé de seu adversário se estiver na posição mais alta. Árvores podem ser boas proteções e evitar a carga de uma cavalaria. Atravessar um rio com água até o joelho pode significar perda de velocidade.


Coloque elementos no seu mapa de combate que permita aos personagens dos jogadores (PdJs) ou PdMs utilizem de vantagens e são penalizados por posicionamentos bons ou ruins.

PdJs dentro de um lago raso terão a sua movimentação diminuída pelo atrito da água e a Ondina terá grandes vantagens por estar em seu elemento natural. Acrescente algumas ilhas de pedra no meio desse lago para os personagens se movimentarem e um caminho de pedras que obriga os personagens a fazer um teste de salto para evitarem cair na água se quiserem evitar a água. Percebam que a dinâmica de combate é influenciada pelo terreno que os personagens estão e a perícias salto ou acrobacia pode ser estimulada a ser usada.

Crédito RPGames Brasil: Capítulo de combate tático do GURPS 4ª Edição.

Capriche no cenário

Quem já jogou Warhammer sabe o quanto escombros, parede, carros, construções, árvores e outros elementos dos cenários podem ser importantes para uma estratégia de defesa ou ataque. Você pode usar mapas riscáveis e desenhar esses elementos. Outra dica para aumentar a imersão é usar elementos de cenários. Pedras podem ser criadas com isopor. Com papelão você pode criar algumas casas e montar uma vila. Uma ponte pode ser criada com palitos de picolé e materiais reciclados e, atravessá-la terá outro sabor.

Os elementos de cenário serão um ponto que encantarão os seus jogadores, além de fornecerem pontos estratégicos para os PdJ se esconderem de balas ou flechas, se posicionarem para ganhar bônus nos ataques ou evitar serem cercados.

Crédito RPGames Brasil: captura de tela do jogo Hex Comander - Fantasy Hero. Os anões tomam lugares defensivos na torre e na região fortificada por estacas contra os goblins.

Missões dentro do combate

Os combates devem ter objetivos que sejam diferentes de todos os oponentes. Nem todos os combates precisam ser parecidos com os do jogo Diablo (Blizzard) que para chegar ao objetivo você precisa descer 12 níveis lutando e quando retorna, sai pisando nos inimigos que ficaram pelo caminho.

Acrescente coisas para os PdJs fazerem durante o combate. Em uma das minhas aventuras, os personagens precisavam abrir uma passagem secreta empurrando quatro colunas de pedra e posicionando-as em lugares específicos do mapa de combate. Entretanto, um dragão os atacava. A ideia era que alguns personagens distraíssem o dragão, enquanto os outros movimentavam as colunas para os lugares específicos. Foi uma situação bem desafiadora. Nesse combate, a missão era encontrar a passagem secreta e não matar um dragão. Adivinhem o que aconteceu? Deixe nos comentários!

Créditos: Reprodução do RPG Mouse Guard. Na situação acima, os ratos precisam levar a carga para um lugar seco, antes que ela seja destruída pela chuva, porém estão sob ataque inimigo. 

Cenário interativo

Quanto mais oportunidades de se utilizar o cenário no combate, mais o ele será utilizado pelos PdJs. Suponhamos que os eles estão defendendo os portões de uma cidade atacada por um gigante. Se houver uma carroça no cenário, eles poderão empurrá-la e usá-la para reforçar a barricada do portão, enquanto os arqueiros distraem o gigante. Uma mesa que possa ser virada ou um sofá pode ser uma proteção para se esconder. Pense nesses elementos.

Armadilhas no cenário ou algo que possa ser improvisada como tal é interessante. No meio do combate, é possível derrubar pedras ou óleo fervente sobre seus inimigos? No Diablo III (Blizzard), paredes inteiras podem ser derrubadas sobre os inimigos, ou sobre os personagens. Imagine essa possibilidade em suas aventuras?

Crédito RPGames Brasil: captura de tela do jogo Diablo III. O braseiro no canto superior direito pode ser acionado pelo jogador que cairá sobre os inimigos.

Os inimigos também estão preparados

Todas as táticas também podem ser utilizadas pelos PdMs. O mestre tem o dever de interpretá-los de forma condizente. Eles procurarão tirar vantagem do cenário caso tenham perícia para fazer isso. Um grupo de mercenários poderia buscar posições elevadas para atacar os PdJs.

As criaturas atacam em grupo como os lobos e visam inutilizar seus adversários mordendo os membros. Use essas táticas. Lembre-se que um dragão não se tornou uma besta de 10 metros de altura atacando todos os grupos de personagens em combate singular. Eles preferem utilizar as suas baforadas e magias em campo aberto, confiando em suas couraças ao darem rasantes sobre os PdJs.

Golblins em balões e dragões podem atacar do alto. Inimigos exploram posições vantajosas.

Kobolds em balões podem ser inimigos que trazem dificuldades atacando de cima com flechas e fundas e ficando livres dos ataques esmagadores dos guerreiros. Nesse momento, as flechas do ladino ou a magia de semear ventos do mago podem ser necessários para compor a nova estratégia do grupo.


Com essas dicas, os combates táticos serão levados para outro nível de dificuldade e de desafio. Eles deixarão de ser apenas mapas estáticos para o movimento das miniaturas. O mapa se tornará parte do desafio, da tática e estratégia dos PdJ e PdMs.

Boa sorte em sua próxima batalha!


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Gostou das dicas? Que estratégia já utilizaram em um mapa de combate para derrotar seus inimigos. Vocês utilizam muitos mapas de batalha? O que acham dessa ferramenta? Deixem os seus comentários.





8 comentários:

  1. Excelente matéria Filipe, são dicas valiosas, o próprio título deixa claro isso, se não soubermos dar vida e sentindo aos combates eles podem ruir toda uma narrativa. Trabalhar com elementos extras nas cenas de combate, e dando a chance de todos atuarem mesmo não sendo personagens combatentes traz toda uma importância e até diversão. E claro não limitar apenas o que está sendo visto ali nos tabuleiros, deixe também que os jogadores insiram elementos que possam trazer novas abordagens.

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    1. Walison, obrigado pelo comentário. Sim, você tem toda a razão. Os jogadores tem a liberdade de inserir todo e qualquer objeto no cenário, mesmo que o mestre não tenha dito, mas seja plausível. No cenário de uma vila, há vários baldes, caixas, barris. Numa árvore pode ter uma colmeia de abelhas que poderia ser usada de forma muito criativa.

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    2. Na hora de inserir elementos sugeridos pelos jogadores, gosto mto de usar os famosos oráculos. Eles ajudam a definir os elementos em si além da intensidade. Como por exemplo tabelas do tipo "sim", "não", "sim, mas", "não, mas", "sim, e", "não,
      e". Isso dá mais justeza ao meu ver, já que assim não impera um lado sobre o outro.

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    3. José é uma forma interessante de deixar mais aleatório o jogo.

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  2. Combates são uma ótima fonte de diversão no RPG, e seguindo estas dicas acredito que a experiência ficará melhor ainda nas mesas! Gostei em especial dos casos do dragão com as torres e do gigante (acredito que os heróis conseguiram mover as torres e fugir antes que o dragão os derrotassem).

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    1. Henrique, obrigado pelo comentário. Infelizmente, eles não conseguiram mover as torres. Quando faltava uma torre, o dragão chegou e eles desistiram do planejamento para um combate simples. Foram fumegados com muitas baforadas.

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  3. Eu atualmente estou preferindo jogos mais minimalistas, mas ainda assim gosto mto de usar miniaturas e grids pra facilitar a visualização.

    Achei mto interessantes as suas dicas Filipe. Vc transcreve pra jogos mais crunch os principios do "Combate Fu" e do "Jogue com o mundo, não com as regras" presentes nos jogos OSR.

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    1. José, essa é a ideia. Aumentar a jogabilidade e as opções. Valorizar a interpretação e a criatividade mesmo no combate.

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